''Há homens que lutam um dia e são bons.
Há outros que lutam um ano e são melhores.
Há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Porém há os que lutam toda a vida.
Esses são os imprescindíveis.''


Bertolt Brecht

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Angústia e Medo (Impressões de uma manhã no mercado) (Amigo Edwin Xavier)



Ao Professor Henrique; 

Mecenas de Artistas, Poetas e Bêbados.

“Para ter a vitória é preciso realmente dar o sangue, o que causa medo, mas minha vontade de superar obstáculos é maior, isso me faz ter medo de mim mesmo, eu sou meu pior inimigo, tenho que acertar nas minhas escolhas”.
Como já disse Salomão (meu conselheiro de cabeceira) “Quando não há conselhos os planos se dispersam, mas havendo muitos conselheiros eles se firmam”, ouço os conselhos de pessoas que me amam e que pelas quais tenho admiração.  
(Henrique você é uma dessas pessoas) 

P. R. Matos, São Luís 02/02/2011.


Percebo certa tristeza pairando no ar,
Um desencanto latente nos olhares,
Lembranças flutuando nas mesas do bar 
E a nostalgia que permeia alguns lugares.
Numa melancolia que não há quem console,
Com copo, caneta e papel em mãos,
Vivendo a desesperança de só mais um gole,
Fico sentado em “momenterna” contemplação. 
Encontro-me com tudo o que fui e não mais sou.
Num torturante e retroativo sentimento 
Recordo-me de alguns amigos que a morte ceifou,
Outros..., a mágoa, o ciúme e o ressentimento.
Sei que sou a pura e fatal conseqüência de mim mesmo,
Fruto desta minha forma de sentir quase tudo.
Alterando signos e sobrelevando minha dor ao extremo
Como se o “i” sempre iniciasse a palavra mundo.
Completamente submerso em estranho delírio
Penso naquilo que embora perto esteja bem longe...
No amor legítimo e no amor espúrio, 
No futuro que ontem eu pensei que teria hoje.
Subitamente o teatro da vida me enlaça e atiça.
Capto a aura de uma obra de arte,
Porém minha exegese não lhe faz justiça,
Pois diante do todo, distorço-lhe as partes.
Num processo lento e perene
As verdureiras arrumam barracas.
O tempo então se espreme,
Formando pinturas densas e opacas.
Sinto o aroma, o aspecto e o gosto.
Batatas, pimentas, limões;
Chão sujo, cachorros, esgoto
E um velhinho com sua camisa sem botões.
Há mesas manchadas com sangue frio;
Peixes pendendo das mãos dos peixeiros;
Facas nervosas cortando horas a fio;
Cascas, cabeças e escamas rodopiando nos bueiros.
Duas mulheres bonitas e antipáticas,
Com trejeitos chatos e sorriso pobre,
Balançam suas bundas brancas e elásticas,
Desdenhando de tudo com olhar esnobe.
Vejo um deficiente com suas muletas;
Engraxate, sapatos, caixote;
Um mendigo curtindo a sarjeta
E um alcoólatra à beira da morte. 
Jogadores compulsivos repetem movimentos infatigáveis,
Formando nuvens tóxicas com seus cigarros
E bajulando máquinas caça-níqueis estéreis e instáveis 
Com suas luzes foscas e desenhos bizarros. 
Deparo-me agora com as imagens que mais me comovem:
Uma menininha sorridente pedindo esmolas, 
Um andarilho tristonho de aspecto bem jovem
E uma grávida ininterruptamente cheirando cola.
Num entrelaçar de gestos, pensamentos e expressões
Os passantes entreolham-se de soslaio. 
Tudo se reúne num desconexo bloco de ações
Como numa peça desprovida de ensaio. 
Os peixeiros conversam asneiras,
As mulheres se vão com sacolas pendentes,
O velhinho vende cordões, anéis e pulseiras
E o engraxate lustra os sapatos do deficiente.

As verdureiras falam sobre ervas e seus mistérios,
Repentinamente surgem melodias inexatas,
O alcoólatra e o mendigo balbuciam impropérios
Num frenesi característico dos apóstatas. 
Os jogadores perdem seu dinheiro diante de uma platéia
Indiferente a quaisquer das possíveis conseqüências.
As máquinas caça-níqueis engolem onomatopéias 
E os cigarros vomitam suas diversas substâncias.
A menininha recolhe os seus trocados,
A grávida perambula alucinada,
Os cachorros perseguem ossos por todos os lados
E o andarilho desaparece, seguindo sua jornada.
Ao redor tudo impressiona o meu olhar, 
Neste local não há o que se disfarce,
O formato das bocas e nuances das formas de falar
Ou a compleição fatigada retida em cada face. 
Ouço a voz de um homem de sorriso contrafeito,
O tilintar de moedas nos balcões.
A angústia mergulhada no meu peito
Uni-se à fumaça cancerígena injetada nos pulmões.
A fome surge esmagadora, 
O estômago dói e me contorço. 
Admiro ainda mais a missão exploratória 
Dos ambulantes em sua batalha diária pelo almoço.
Um amigo abre mão de beber para que eu beba,
Em um gesto quase bom e semi-mau, 
Insistindo para que eu receba
Aquele néctar inebriante e transversal.
Cai então o peso do álcool nos meus ombros,
O ambiente torna-se cada vez mais kafkiano,
Vejo criancinhas inocentes nos escombros
Tornando-se criaturas distorcidas de olhar profano. 
Numa prosopopéia altamente alucinatória 
Mesas e cadeiras dançam de um jeito jocoso,
As facas fitam-me de forma interrogatória
E as garrafas esfregam-se até chegarem ao gozo.
Cada elemento presente me enleva e impele
A uma amálgama de náusea, paixão, calor e afeto.
O ar quente e úmido envolvendo a pele, 
As paredes estreitas, sombras e frestas de luz no teto.
Pensadores inconscientes e maltrapilhos;
Poetas que nunca foram laureados em academias;
O pobre burguês e o proletário sem filhos,
Acabam confluindo suas inumeráveis filosofias. 
Metonimicamente o mundo inteiro está ali,
Cada ser representando um único e enorme “EU”,
Seguindo na condescendência coletiva de existir.
Quanto a mim..., tudo o que restou já se perdeu.
Com os efeitos de uma mente embriagada
Sou (álcool) poeticamente marcado 
Pela poesia desentranhada 
E esta sub-sóbria manhã no mercado. 



Paulo Roberto